O passageiro.

Quente, muito quente, em pé, esperar, olhar atenta, ouvir a música, cumprimentar conhecidos, sorrir. Lento, tá demorando, esse ônibus que não chega, esse calor que me engole, de calça, com caderno, mas sem pressa, relógio guardado, sinto falta do anel quando o tiro. Olhar, esperar, mas ta muito quente, e só quando na música me disseram 'vou ficar por um triz pra voltar e dizer que o que fiz foi somente eu quem quis' me fez querer escrever um texto, não esse, outro. Esse quem me deu foi um passageiro, ou o passageiro, assim, com artigo definido, mas eu não cheguei nele ainda, tenho que continuar dizendo o quanto tava quente, muito quente. 

O sol, os carros, o horário, minhas roupas, meu andar, meu suor, tava quente, e meu cabelo grudou nas minhas costas. Mas meu dia ia ser bom, tava escrito no céu. Assim, bem de azul. Então o ônibus chegou, e eu sentei, e é assim que começa a história.

Eu sentada. Assim, só sentada, sem olhar muito, sem ouvir muito, sem pensar em nada mais complexo do que 'será que eu vou chegar lá que horas'. Nada mais que de repente, a bateria acabou enquanto eu batia o pé num rítimo fixo e antes que eu pudesse pensar em parar de acompanhar a música que não estava mais tocando, eu percebi meu pé em sintonia com o pé do passageiro que acabara que sentar ouvindo música também. Aquilo foi bem estranho. Estava às dez e vinte e cinco se eu fosse usar o 'relógio imaginário indicador de posição'. Abriu a janela e... Mas que bendito vento do meio-dia. Uma das melhores sensações do ano foi um sopro em meu colo úmido de mãs dadas com aquele perfume que eu não faço a mínima noção do nome, mas que tava muito bom, mesmo, de verdade, mas que coisa divina. 

Mas ele também tava suando, assim, um gota escorrendo como quem pirraça usando calor e sede. Se tivesse acabado de tomar banho, se tivesse andado antes de chegar no ponto, se fosse o dito perfume, ou seria o próprio suor a exalar aquele cheiro. Definitivamente eu tenho prazer olfativo, e memória olfativa também. Minha curiosidade poderia passear em imaginação e tentar responder onde mora, qual é a sua graça, que santo preza por você, me diga que música era aquela que você ouvia, por onde você andava por todos esse anos e não sei quantas mais respostas úteis. Mas eu de olho fechado só consegui pensar em porque eu nunca tinha sentido aquele cheiro antes.

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