Onirismo em gota d'água

Não havia chão.
Não sentia a gravidade em obediência, era mínima e equivocada a idéia de se achar o norte, não havia referência de luz, eu não sabia se meus olhos estavam abertos ou não.
Breu completo, de temperatura fixa e alienável, orientação espacial nula, a percepção do ambiente hipnotizante.
A primeira tentativa de dedução de onde eu estava me veio pela ausência do peso dos meus cabelos, por sentí-los dançar em meu rosto com uma velocidade sem pudor.
A propiocepção consciente do meu corpo se deu de maneira gradativa, com membros em coreografia completamente aleatória, eu sentia, sem alguma certeza, um véu de espessura milimétrica que me envolvia sem forma definida, moldando-se ao seguir em cada ponto movimentos entre meu corpo e o fluxo lento daquela imensidão de água.

Água, tanta água, água de quantidade desmedida, minha imaginação impossibilitada de delimitá-la em números ou em idéia de imensidão. Era noite, isso eu sabia, não era possível que estivesse tão fundo.
Minha pele embebida pela diafaneidade ímpar, meu frio era indubtavelmente particular, eu percebia plena solidão.
Me afogava e estava em casa, engolia e transpirava, existia ali um reconhecimento além do plano da razão, uma propriedade intrínseca do meu subconsciente.
Haveria eu mergulhado em meu próprio âmago, meu dentro, eu fora, entrando, no gerúndio, bebendo da minha identidade, preenchendo minhas cavidades, meus eus me circulavam usando a correnteza, as ondas diziam me lavar por inteira, eu me levava entre as várias dimensões, num balanço, ida e volta, mera e pura contradição, oscilava meu humor como um pêndulo e cada gole eu me convertia no mais casto paradoxo de essência impertubável.
Era veneno e antídoto, aquele líquido que ao mesmo tempo me embebedava, me preenchia do mais alto nível de compreensão de mim.

O movimento ganhou maior grau de amplitude, percebia de dentro pra fora, como uma criança em balanço com velocidade.
Apesar de não ouvir e não respirar, nunca tinha me sentido tão viva.
As respostas me vieram em falas, em aspas, em perguntas, 'sabe como se atravessa essa imensidão? Não se guarda força para voltar'.
Força, de onde vem a força que me move, o que fazer se meio do trajeto estancar por poupar energia, quem me garante em que distância se está do fim, seria o medo do que está além maior do que a vontade de se afogar aqui, bem ali.
Essa força vem do além, do aquém, do nada, desse nado, e o tudo se vai cada vez mais fundo, assim tão perto. Me diz onde, pra onde, quem, o que seria esse oceano, essa infinitude, isso sou eu, meu vão, meu vazio preenchido, meu mundo, meus sentidos, meus sinais vitais.

No meio onde a vida começa voltei para a minha formação, assisti o dilúvio eterno que me leva, vi com os olhos cegos a genuína excelsitude de minha alma.
Permeando os tempos que vivi, me vi me procurando em espaços vis, indo longe pra me buscar, se mesmo nos espelhos virgens a refração é ilusória em olhos abertos, o meu travesseiro foi o portal para minha imensidão, me encontrei ao perder dentro de mim, meus sonhos. Eu sei que nadei na minha própria existência.


Comentários

rodrigosampaio disse…
menina, menina...
Anônimo disse…
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