Nem te conto.

Estávamos sentados na mesa. Não chamo de sala de jantar, por causa da televisão, era um cômodo entre a cozinha e a sala de visita, que eu chamo sim de visita por que só tinha sofás. Era tarde da noite, meus avós já tinham ido dormir, e eu, minha irmã e meu pai víamos um filme, eu acho. A quietude era estabelecida por conta da noite, por conta da casa ser afastada da cidade e porque conversávamos baixinho. Quebrou-se um pouco do silêncio quando Ana viu algum bicho parado e perto dela, identificou e ficou com medo. "Tem uma aranha ali."
Eu sempre fui mais calma pra essas coisas olhei, e disse, "ela tá parada, deve estar aí desde que a gente chegou". Então, se a aranha não tinha intenção de avançar num ataque mortal, eu não vi problema em deixá-la por lá, esquecer da presença dela, como se ela não tivesse ainda sido vista, eu sabia que provavelmente ela iria embora como qualquer bicho.
Mas minha observação não foi o bastante. Minha irmã queria mesmo que alguém tirasse ela de lá, repetia, repetia e não se conformava. Eu disse pra ela não olhar, fingir que ela não estava ali. Ela disse: "Mas agora eu sei que ela está ali".
Se a presença da aranha significava perigo, antes de notar a presença dela, ela poderia ter passeado entre os cabelos de alguma pessoa destraída representando um perigo eminente. Mas se a pessoa não souber, por mais que ela exista, o pânico não vai se estabelecer. O caso é que o problema não é viver, se expor aos risco do mundo, o pior é saber da existência deles. Por isso, muito por isso, que o médico é o pior paciente.

Comentários

Interessante o texto!
Luiza Frazão disse…
rsrsrs... se fosse uma barata me incomodaria da mesma forma! Me diverti com o texto!
pat disse…
Raisa, concordo em gênero, número e grau.
Acabei de chegar a seu blog, que é um encanto, parabéns também pela linda foto do céu de Salvador.
pat disse…
Oi! Eu te vi lá no meu blog!
Obrigada pela visita.
Vc me perguntou o que faço. Sou uma ex psiquiatra, dei um tempinho da medicina, e estou curtindo minha outra formação (formei em artes plásticas na UFBa, em 2005).
Como disse antes, adorei seus escritos. Um abraço,
Pat.

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