Black swan.

Mais de um ano sem ir ao cinema. Começa aqui a sequência de ironias: foi minha mãe quem me chamou, escolheu o filme e quase me raptou para ir ao cinema. Intuição materna, ou não, ela sabia que eu iria gostar do filme. Talvez tenha desconfiado de tal feito por conta do ballet, meu affair reprimido pelo tempo e idade, ou idade e tempo. Ótimo, indicações ao Oscar, 'eu pago seu ingresso' e tudo pronto. Fui com mínimas referências do filme além das indicações e intuição de minha mãe.

O filme é bom. Passei horas estática - com a postura correta, detalhe comentável - pensando no filme em si e no seu "além". Muito bem, o filme é bom. Propaganda gratuita, veja bem. Nunca me vi escrever para um filme, sobre um filme e por causa de um filme desse jeito. Hoje é domingo, assisti sexta, e assim mesmo idéias permaneceram frescas. Faço essa preliminar pra justamente só escrever o que me marca, e deixar pro meu bloquinho as vontades passageiras.

Quanto a sequência de ironias, daremos segmento então. Pense num cisne, é primeira letra no título afinal, e se perguntasse a uma pessoa avulsa 'pense num cisne' a imagem formada é de um cisne branco. Tendência, tradição, costume, não sei. Quebre esse pré-pensamento. Estamos falando de um cisne negro. Pois bem, pensemos em bailarinas. Já devo ter escrito isso antes, mas bailarinas são, de fato, o retrato da mais pura e categórica dissimulação. Leves e rosinhas, elas sorriem enquanto seus dedos e calos choram sangue. Não, não é exagero, eu mesma os vi.

Os pensamentos precoces sobre as possíveis ironias do filme são previsíveis e fáceis. O branco e preto, bom e mal, essas coisas que em qualquer desenho de power ranger tem. Mas durante o filme inteiro a quantidade de pré-pensamentos que são quebrados me fizeram parar de tentar deduzir o que se passa. Inebriante, assustador e lindo. Forte, delicado e tenso. Reflexivo, afugentador e, no mínimo, muito interessante.

Me lembrei da meninas que são doces por pressão e opção e foram assistir "um filme de ballet". Foi uma armadilha. O autor fez o convite para um discussão profunda usando meiguisse para falar de perigo, perfeição para falar de desequilíbrio e amor para falar de loucura. Quebrando pré-pensamentos a todo tempo, na protagonista foi apresentado como erro ser certa demais. E as posturas e atitudes condenadas como "erradas" seriam o elemento faltante para se chegar à tal perfeição. O que é de impossível alcance.

Veja bem, meu ver. Todo exagero é um forma de desequilíbrio. Partes iguais não formam ciclo. A perfeição é inatingível. As pessoas sim, tem um lado "ruim" e isso não é ruim. Dualidade, ironia, simetria, contradição e antíteses são ingredientes de todo ser vivente. O problema da protagonista foi ter a vida toda suprimido seu cisne negro porque achava que ser de toda certa seria perfeita. Ele precisou sair e quando saiu foi de vez. Suprimir o cisne negro é inviável. Você tem um. Até o Dalai Lama tem. Conviva, conheça, manuseie e não suprima.

Se a vida constituísse um corredor com portas, de um lado estariam as brancas e do outro as negras, ou estariam misturadas mas sempre equilibradas, com a medida de tempo corrente a dinâmica seria entrar e sair em cada uma delas. A duração em cada sala varia de pessoa pra pessoa. Alguns não vão querer entrar, outros passaram sem olhar sequer pela fechadura. Mas veja que conhecer é a fonte mais fiel de se ter informação pra escolher. Quem permanece de trás da mesma porta, seja branca ou negra, não sobrevive.


Comentários

L. Oliveira disse…
"Partes iguais não formam ciclo." Que frase genial! Ótimo texto, e eu iria te elogiar pela boa escrita, mas gratuita não tem acento. Aí está o seu lado mau nesse texto, mas é só esse. Parabéns.
Raísa disse…
me passei. ; ) já consertei, e muito obrigada.

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