A língua dos ventos

Deslocamento de ar, o dicionário define. Se for pra resumir em imagens seriam coisas balançando. O fato é que o vento não estava me deixando dormir naquela noite. Mas não era por balançar, nem derrubar nada. Era o assovio do vento que só não me despertou por ainda não me ter permitido dormir.

Uma onda mecânica suave, não sei se ouço com ouvidos ou se são meus pêlos a vibrar, avisando quando a música toca. Já me passou da hora de dormir. É nessa hora que passa que a mente da gente se faz em espaço aberto esperando por ser completo. É nessa hora que o assovio aproveita a fresta do sono, e passa e desloca e balança, bagunça e põe tudo no lugar.

Por princípio de movimento, a primeira impressão é a intenção de bagunçar, mas as vezes, o vento só quer dizer, lento, o que virá. O assovio, na verdade, traz um aviso. Um recado mandado, de um vento pra outro. E pra mandar recado tem que saber falar a língua do vento, um assovio alto e longo, com muito fôlego, até não sobrar mais ar que se desloque. Até você secar.

Falar a língua dos ventos. Diminuir essa distância, cortar traduções erradas, saber atiçar dos vários sentidos, da pele que veste, de ouvir o assovio, de ver oque se passa, sentir cheiro que o vento traz. A língua dos ventos não é difícil de ser lida, basta sensibilidade aguçada. Sensibilidades e sentidos desocupados, pra o vento ocupar com o que ele tem a trazer, o que tem para balançar, te sacudir e te completar.

A língua dos ventos é lida pelo olhar, quando ela sacode as coisas de peso leve. É lida com a pele, com o arrepio, com os pêlos. É lida com os ouvidos, as calafrios, esses avisos assoviados, vamos ler. Nessa noite sem dormir,  fui ler o recado, e vi, que se o vento forte derruba e destrói, o vento lento, desperta, e distrai, e ele traz, mostra que o mesmo sopro que apaga as chamas frias, reascende o que era pra ficar.





 'o vento não leva a areia da várzea, 
quando a areia bebe da água da chuva'

José de Alencar.

Comentários

Postagens mais visitadas