Um convite

Quinta-feira, quatro da tarde, meu telefone toca. O número era desconhecido, mas não o deixei esperar muito. Até o jeito que o telefone me chamava parecia ter um pouco de pressa. Era um amigo. Mesmo tendo vinte quatro anos, a voz era cansada, um tanto desanimada, como um velho, ele falava levemente irritado, com um pouco de pressa, apesar do som parecer estar se arrastando pelas cordas vocais. Me fez uma introdução rápida, perguntou se eu estava bem, não deixou a pressa e o cansaço darem espaço para má educação. Respondi brevemente, sabia que não era aquilo que o interessava, e então ele foi direto ao assunto.

"Me desculpe se eu estiver abusando, mas como eu sei que você é quase médica eu achei que você pudesse me ajudar. Eu estou sentindo uma dor e queria saber se você tem um remédio para me indicar".

Ah, a dor. A dor é uma coisa ruim, em si, porque dói. Mas com o tempo eu aprendi que a dor é amiga. É um alerta, um aviso, um sinal de que algo não está bem. As doenças silenciosas, as que não trazem sintomas que incomodem de verdade, vão acabando com a gente assim, devargazinho, até alguém perceber e dizer, "xiiii, tarde demais." Por isso que quando a gente sente dor, antes que querer acabar com ela, é bom ouvir o que ela tem a dizer.

Diante da queixa e eu comecei a fazer as perguntas clássicas: há quanto tempo dói, onde é a dor, qual a intensidade, se é constante ou periódica, de que tipo é, se irradia pra algum lugar, piora com o que, melhora com o que. E ele me disse que sentia um peso no ombro direito, pegava uma parte da lateral do pescoço, deixava o trapézio meio tenso, como se algo tivesse apoiando nele. A mesma dor descia no braço direito, com uma intensidade menor, e deixava a mão direita dele formando uma concha. Ele dizia, "já olhei aqui na internet, não acho nada que possa explicar. Essa dor está estranha, por isso que te liguei".

Precisava de mais duas informações. Já tinha minhas hipóteses e quis confirmar a mais provável. "Me responda sim ou não: sua rotina está muito pesada, você anda dormindo pouco, está preocupado com algumas pendências?". Ele disse que sim, rapidamente, mas com o tom mais cansado ainda, como quem quisesse demonstrar na fala, numa palavras com três letras, que "ta foda". Em seguida eu pedi pra ele fazer um teste; ficar em pé, posicionar o braço direito em frente ao umbigo, formando um arco e ainda com a mão direita levemente em concha. Pronto, "agora estenda o braço esquerdo com a palma da mão para cima. sente o mesmo peso nessa mão? Como se tivesse algo apoiando nela?" Ele demorou um instante e respondeu outro sim com tom de surpresa.

Meu amigo, eu posso te indicar vários analgésicos, e, de certa forma, vai resolver mas de maneira temporária. Seu tratamento é outro, o mais certo é sanar o problema desde a raiz, acabar com a origem disso. Essa dor é seu corpo cansado, pedindo um tempo pra respirar, é o treinador pedindo tempo para você não deixar virar o jogo. Se você não percebeu, pela localização que eu chamo "em valsa", essa dor é do tipo que melhora com música. Essa "dor" é a vida te chamando pra dançar.

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