O céu é só uma promessa.

A mão estava no queixo, o cabelo, um pouco bagunçado das vezes que ele coçou sem paciência, as olheiras queriam se formar mesmo sem dormir. Aquela mulher não parava de falar, e o pior, ela repetia certas frases com a frequência de hipnotismo, insuportável. A sétima namorada em quatro anos, todas elas partiram de diferentes maneiras, mas todas elas pelo mesmo motivo.

-Você ta me escutando?
E ele balançava a cabeça de uma maneira quase imperceptível, sem tirar a mão do queixo.
-Por que você não abre a boca e ainda fica me olhando desse jeito? Eu quero consertar as coisas porque desse jeito não está bom! Será que você não percebe que essa mudez só atrapalha?
E ele balançava a cabeça sem tirar os olhos dela. Não falava só olhava.
-Você só fala quando quer consertar algo em mim! "Essa blusa ta torta", "Esse batom não ficou bom", quer saber de uma? Fique você e suas críticas dormindo na mesma cama, que eu vou nessa!
E ele dessa vez nem sacudiu a cabeça, zero porcento de expressão facial.

Dando o último gole no copo de cerveja, ela bateu com força na mesa e saiu do bar sumindo pela esquina, bufando raiva e interrogações "porque diabos esse homem não fala?!?". Ninguém sabia.

Ele levantou, pagou a conta, tirou a chave do bolso e começou a rodar no dedo indicador indo pra casa. Subiu as escadas estreitas e entrou. Todas as luzes estavam apagadas e assim elas ficaram, foi até cozinha beber água e pôr a comida do gato. Não se esbarrou em nada, conhecia aquela casa como um cego. Na sala de estar - única da casa - ficavam suas tralhas e uma mesa que ocupava a sala inteira sempre cheia de materiais e ferramentas. Sentado na cadeira, acendeu uma vela de sete dias e começou a trabalhar.

Os santos da capelinha estavam prontos, foi fácil, tinha sido cupim. A jarra de Dona Alzira iria demorar mais, então deixou de lado. Era imitação de chinesa e tinha caído no chão, ele ia passar muito tempo restaurando mas tinha certeza que iria devolver perfeita. Todos tinham certeza de que ele sempre devolveria tudo perfeito. que aquela noite ele não iria restaurar.

Em um pedaço de madeira de lei, que juntara dinheiro pra comprar, ele começou a talhar. Com uma precisão estupenda, ele sequer usava óculos, não precisava de lâmpadas, não tomava café pra ficar acordado, nada. Ele, a talhadeira e as lembranças dos minuciosos detalhes da última mulher que lhe convinha. Ser perfeitamente perfeccionista não era exagero perto dele.

Sete dias e sete noites, sentado, talhando. Não sentia fome, não sentia cansaço, não tomava banho, não tinha relógio, só via o sol aparecer e sumir da janela do quarto. Tinha o mesmo prazo do cio do gato. Quando terminou passou mais meia hora olhando pra estátua, verificando se não tinha esquecido de nada, e não tinha.

Uma mulher, nua, cinquenta centímetros de puro jacarandá e uma história imortalizada. Satisfeito, ele passou a mão do pescoço e consertou a corcunda. Tomou um banho, fez a barba que estava enorme e comeu. Com a estátua na mão, foi até o quartinho praticamente vazio - só tinha uma estante - e olhou todas as outras já prontas. Lembrou de tudo que passara pela sua cabeça ao talhá-las, se aproximou colocando, na ordem, a sétima estátua.

Saiu de casa rodando a chave no dedo indicador indo em direção a praça. No banco ele sentou e ficou fazendo a coisa que mais sabia fazer, observar. Só levantou quando viu aquela moça passar.

Comentários

DaMnation disse…
isso foi legal, muito bom! com os olhos
Anônimo disse…
OUTRA FANTástica !!!!

Ihhhh... isso vai render, pelo visto!! kkkk

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