Sobre o Brasil, homofobia e a zueira patológica

Há muito tempo eu quero escrever esse texto. Toda vez que pensava em escrever desistia para evitar polêmica em rede social, muito porque eu sei que nem todo mundo entende o que realmente eu quero dizer.

Porém, entretando, contudo, todavia, um canditado à presidência fala o que pensa em rede nacional sem medo da polêmica, sem ponderação quanto a ofender alguém, porque eu haveria de ter receio de dizer o que eu acho? Além disso, morando fora do Brasil a gente observa e compara as pessoas e comportamentos, e assim consegue ter outros referenciais para poder separar: isso é comportamento do ser humano ou isso é comportamento do brasileiro.

Vou dividir o raciocínio em tópicos, é difícil organizar

1. Um adolescente falando sobre bullying no colégio: "Ah, eu também acho bizarro isso de xingar o garoto, as vezes eu sinto até pena. Mas, Raísa, se eu falar que é parar de chamar ele de viado os caras vão falar que to defendendo pq sou viado também, aí sobra pra mim".

Ou seja, é melhor ser algoz, mesmo sem concordar, por receio de sofrer a ofensa que você mesmo está fazendo?

Deve ser por causa daquele ditado "não faça o que você não quer que façam com você". Então, se você resolve evitar e defender é porque você também se atingiu, e não gostaria que acontecesse se fosse com você. Mas se você combate a homofobia é porque você é gay?

Oi, meu nome é Raísa, sou heterossexual desde sempre. Tenho amigos gays, tenho amigas lésbicas, amo todos eles, convivo com eles, e mesmo assim tão perto eu não "me contaminei", e eu vou sim combater a homofobia. Eu me atinjo e me coloco no lugar das pessoas porque eu também sou gente! Eu sinto empatia, eu não olho um gay como se ele fosse diferente de mim, como poderia?

A primeira coisa bizarra que os brasileiros fazem é confundir respeito com concordância, pactuação.

As pessoas são diferentes, fazem coisas diferentes, gostam de coisas diferentes. Eu não concordo que sertanejo seja o melhor estilo de música, mas eu respeito que você ache. Eu não concordo que tomar coca-cola no almoço seja bom mas eu respeito quem ache. Um vegetariano não concorda em comer carne mas respeita quem coma. Respeitar não significa que você faça igual. Se todo mundo entendesse de uma vez isso, o segundo erro que eu vou explicar agora seria menos repercutido.

2. Em 2009, numa aula de Ética da Faculdade de Medicina houve um debate hipotético sobre: se você pudesse evitar que seu filho nascesse gay você evitaria? A melhor frase foi dita pelo professor Cláudio Lorenzo "quem argumenta que não quer ter um filho gay pra evitar que ele sofra, na verdade está querendo evitar seu próprio sofrimento". Essa é a questão da homofobia brasileira. É o egoísmo ao avesso, o coletivismo deturpado. Vou explicar mais.

"Meu filho, o que os meus amigos do trabalho vão falar se souberem que você é viado, eu não vou aguentar".

A segunda coisa mais bizarra: é se importar tanto com a zueira. E a zueira? A zueira não tem fim.

Nessa hora as pessoas se colocam numa posição de se importar excessivamente com o que os pessoas vão achar e deixam de fazer o que seria o melhor pra si e sua família. Qual o sentido disso?

O fato de se importar com a opinião das pessoas é um traço de coletivismo. "Se importar com os outros", isso soa tão bonito. Mas no Brasil esse traço é deturpado pois você tende a querer controlar a vida do outro (e isso é egoísta) por causa da opinião das outras pessoas. Você prefere evitar a zueira da rua do que ver a felicidade de dentro.

3. Não é só com relação à homofobia que esse comportamento traz prejuízos. Depois de participar de um congresso internacional de psiquiatria eu percebi o quão é mais forte o estigma em torno da psiquiatria no Brasil. Só é lembrar da Seleção brasileira negando serviço da psicóloga dizendo "eu não sou maluco, não preciso". Porque as pessoas evitam fazer terapia e quando fazem pedem segredo? Que vergonha é essa de  fazer o que se precisa pra melhorar em algum aspecto e assumir isso? Como pode as pessoas deixarem de fazer o que vai te fazer bem por medo dos comentários de quem nem te conhece?

Por isso que eu chamo esse egoísmo de "ao avesso". Se egoísta em pensar em si, e os brasileiros deixam de fazer o que é melhor pra si também por causa da opinião das outras pessoas, esse egoísmo é "fraco". Você prefere evitar a zueira da rua do que ver a felicidade de dentro.

O que eu acho mais engraçado disso tudo é que comparando com o perfil dos europeus, o coletivismo dertupado e egoísmo ao avesso do Brasil fica mais evidente e mais sem sentido.

Se nos preocupamos com o que as pessoas vão achar, e zuar, porque eu nunca vi ninguém dizer "fure a fila não, vão achar o que de você"? Ou "não jogue esse lixo no chão, as pessoas vão comentar". Com relação a esse tipo de comportamento não há coletivismo, e o egoísmo é do tipo "eu faço o que eu quero". Pura ilusão. Não faz o que quer, porque já deixou de usar uma roupa com medo de zueira, já deixou de recusar um convite de festa com medo de zueira.

"Brasil é um país de todos". Todo mundo querendo tomar conta da vida do outro. Mas ao mesmo tempo o Brasil é terra de ninguém pois todo mundo "faz o que quer". Bagunça e desordena, se acha livre por viver fora das regras, mas abre mão do que realmente importa vive preso dentro das jaulas da zueira.

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