O impacto das pequenas coisas desapercebidas
Em 2012 eu fui ao museu do
Louvre pela primeira vez. É uma visita "obrigatória" em Paris, e você
precisa reservar o dia todo para conseguir digerir a quantidade de informações
naquela imensidão, no meio daquela multidão. Muita, muita gente, de todos os
lugares do mundo transitando incansavelmente. Eu vi a Monalisa, o código de
Hamurabi e a réplica do quarto de Napoleão. Mas eu tenho a memória visual
praticamente impecável de algo que todos olharam mas eu tenho quase certeza que
quase ninguém reparou num "detalhe".
Na placa de localização numa das
escadas principais, havia um mapinha colorido das alas do museu e, no centro, a
sinalização de "você está aqui". O detalhe era que o "x"
que marcava o ponto no mapa estava totalmente destruído, a despeito do material
de alta qualidade, estava esburacado e observando um casal oriental eu descobri
o porquê. Todos que olhavam o mapa, naturalmente, de forma reflexa e
inconsciente encostavam o dedo na placa e diziam "estamos aqui".
Mas eram centenas e centenas de
pessoas, tocando sutilmente naquele ponto, a todo momento e eu acho que mesmo
aquela placa sendo trocada com frequência (pois o restante do material não
estava desgastado) o estrago natural era inexorável. E porque eu estou falando
isso? Porque naquele momento eu me dei conta de como algo repetido inúmeras
vezes de forma natural, a longo prazo, tem consequências que não conseguimos
enxergar durante nossa participação pontual.
Se ali houvesse um aviso: "não
toque na placa, pode estragar", a maioria iria ler e achar: "nossa,
que bobagem". Da mesma forma, um supermercado rende milhões tirando um
real de cada compra. Uma operadora de celular rende milhões tirando um real de
cada conta. Um político rende milhões tirando um real de cada contribuidor. E
quando alguém diz que vai acionar a justiça por causa de um real: "nossa,
que bobagem".
O que eu quero dizer é que não temos
noção da repercussão dos efeitos danosos das "coisas pequenas". Ou
pelo menos não paramos na correria do dia pra prestar atenção nisso. A dedada
reflexa na placa do museu é apenas uma metáfora prática de como estragos que
são feitos aos pouquinhos podem sim resultar em fins grandiosos. Quando uma
pessoa ouve "só uma piadianha", tem o mesmo efeito que dedada na
placa, um mísero real roubado sem você perceber, uma picada de uma abelhinha pequena
e sozinha parece coisa pouca. Todavia, considerando os efeitos de uma grande
repetição temporal e contínua, por milhares de pessoas, você terá uma placa
esburacada, uma empresa lucrando e uma possível reação tóxica às pequenas doses
de veneno, que sim, se acumulam.
Esse texto é um convite de um
exercício sobre dimensionar nossos pequenos atos pontuais e reflexos, é uma
tentativa a se fazer um movimento empático. Toda vez que você se pegar dizendo
"nossa, que besteira", tente fazer uma reflexão simples: se pergunte
"isso está acontecendo com que frequência?, "se isso acontecesse o
tempo todo quais seriam as consequências negativas a longo prazo?". Duas
perguntas simples. Movimento reflexivo para te auxiliar e te livrar de ser mais
uma pessoa distraída que contribui para resultados ruins, muitas vezes sem nem
perceber.
Gente, não é "só uma piada".
Se a gente visualizar o fato isolado parece bobagem, mas o contexto mostra, é
só pensar um pouco, ter mais capacidade de pensamento complexo, holístico, ter
mais crítica, mais imaginação, mais subjetividade. E ainda assim, se continuar
sendo "bobagem", se pergunte: "isso serve pra que?". Sonho
com o mundo em que pessoas possam ser mais sensíveis, prudentes, conscientes e
gastar energia para coisas úteis e positivas. Se for machucar, não reproduza.
Pare e observe antes. É pedir muito?
Em anexo, a foto da placa de entrada Louvre sendo visto por outro ângulo,enquanto eu fotografava apenas apontando a câmera nas direções usuais, quase perdi o pôr-do-sol que acontecia em minhas costas.
Comentários