Somos loucos por música.

Depois de conferir pela quarta vez se o ingresso estava no bolso, fiquei torcendo pra que não chovesse 'de verdade'. Por via das dúvidas, levei o guarda-chuva. Ia de carro mas a Concha é aberta e nunca se sabe da bexiga do santo. Pagar pra estacionar, coisa que deveria ser de graça, e entrar com identidade no bolso, coisa que devia ser obrigatória pra comprovar meia. Não contrariando o avesso das coisas, quando chove, o sair de casa se dá mais tarde do que planejado pois sabe-se do possível atraso, ao invés de sair mais cedo do que planejado pra chegar no horário.

Pois bem. Selecionar um lugar e convencer a moça da frente que os pingos que caiam não eram merecedores de um guarda-chuva tapando minha visão. Agora pronto, pode chagar Alceu Valença. Depois da comunidade que eu vi, é inevitável citar o trocadilho ao Seu Valença. Todo de preto, com as pernas finas e inquietas, rodopiava e testava a afinação da 'platéia danada'. Até o Boooaaa Nôiti - com sutaque di Olinda - era cantando.

Vários gritos subindo as escalas, onomatopéias que não existem, inventadas pra efeito de participação do coro que não sabe a letra e identificação prévia da música que será tocada. Mas que garganta. Não duvido nada ele seguir um show sem microfone. Alceu não simplesmente se entrega, ele quer levar você. E hoje ele disse - digo, hoje, mas não sei se ele faz em todos os shows - : os americanos gastam tanto dinheiro pra conseguir fazer uma viagem espacial. Aqui, com essa energia dá pra ir no planeta que quisermos. Quem quer pegar um táxi?

Ele queria mesmo era fazer barulho pra ouvir o nosso de volta. Se enrolava todo no fio do violão e depois girava no sentido contrário. Cada final de música era longo, ele gostava de ficar parado ouvindo palmas/gritos de olhos fechados, depois abri-los para cobrar a parte visual dos braços. Disse que ia tocar só mais duas, mas depois o doce do 'mais um' foi cedido, e nada mais que isso, afinal, dia de semana a Concha fecha 22h e Palaramas do Sucesso ainda ia tocar.

Eu senti algo estranho quando ele entrou assim, na cadeira de rodas. Não sei explicar. Guardei aquilo pra mim, mas minha irmã que sentiu algo parecido comentou comigo e eu compartilhei. Talvez fosse por causa de inevitável comparação entre Alceu, que acabara de sair e dava voltas e voltas no palco, com ele, que ficaria num canto escolhido. De óculos escuros e gorro, ele parecia ter a 'cara fechada' e começou a tocar sem boas noites. Eu fiquei esperando um sorriso, qualquer troca de energia. O intervalo de uma música de outra dava em média dez palmas simultâneas a um 'uhul' médio.

Eu que via as pessoas quicando loucas com as músicas mais agitadas, e cantando muito alto as mais lentas, cheguei à conclusão; ele não precisa levantar. Ele consegue trazer o efeito da música quando apertava os olhos com força, ali mesmo. Passou um tempo e ele tirou os óculos e o gorro. Até sorrir sem mostrar os dentes. Seria timidez, ou um artifício pra mais conforto em início de show. Não sei. Foi então que ele chamou Alceu e eles cantaram juntos. Alceu não tão novo, Hebert não tão velho. Os cabelos de Alceu passavam dos ombros, e os de Hebert ninguém sabe onde foram parar. Alceu era magrinho, Hebert tinha mais bochechas que antes. Alceu apontava pedindo pra cantar e nos convidava, Hebert cerrava os olhos e mergulhava.

Boa música por bons motivos. E ainda tinha um artista plástico pintando um quadro ao vivo. Eu acredito na arte.

"Com a proposta de unir solidariedade, arte e música, o Loucos por música tem como objetivo acarretar fundos para as instituições que trabalham com portadores de doenças mentais, revertendo 100% da bilheteria em doação. Cada apresentação produzida pela Dupla Produtora e patrocinada pela Coelba, empresa do grupo Neoenergia, uma nova tela será criada para o leilão".

Já pensou se daqui a pouco eles começam a misturar Marcelo Camelo com Maria Rita, Nando Reis com Ana Carolina, Vanessa da Mata com Guilherme Arantes, Lenine com O teatro Mágico...

Comentários

Anônimo disse…
Nice Blog!!!

=P

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