Deus me livre morrer “milho de pipoca”

Em 2018 eu completo dez anos do que eu considero “meu primeiro despertar”. Para quem não sabe, tenho uma tatuagem que é um mosaico de códigos pessoais e nele o número 2008 está tatuado devido ao valor que dou a este ano. E o que houve nesse ano? Foi meu ano de cursinho pré-vestibular. Ele aconteceu por conta de uma “derrota” que, por sinal, eu sou muito grata por ela! Como assim? Perder no meu primeiro vestibular (e perder feio,viu?) foi de extrema importância para a minha maturação pessoal.
No meu ano de cursinho vivi uma contradição. Do lado de fora as pessoas diziam “poxa que pena, né, ‘perder’ um ano estudando tudo de novo”. Do lado de dentro eu estava tendo uma oportunidade única (e bem privilegiada) de sim, “estudar tudo de novo”, mas dessa vez era diferente. Eu estudava com mais vontade. Não entendam que essa vontade veio por conta da “pressão”, não apenas, veio da sede mesmo, veio do despertar para descobrir coisas que antes eu havia deixado passar sem enxergar por conta da minha imaturidade.
Foi o ano que eu mais li. Não me refiro à “grade” padrão dos assuntos importantes para vestibular. Aqui eu concordo com Rubem Mito Alves e digo, “grade curricular” é um péssimo nome, afinal conhecimento é liberdade. E eu aprendi isso com meus mestres: painho e mainha. Valorizar muito mais o conhecimento do que as coisas. Lá em casa eram claras as duas prioridades: saúde e educação. Não existe livro caro. Caro é pagar mil reais num abadá de carnaval. Enfim.
O caso é que em 2014 eu fiz uma “loucura”, eles me disseram: “Raísa, você é doida? Você vai fazer um intercâmbio no seu sexto ano de medicina? Você vai adiar a sua formatura (ooohhh)? Você vai “perder” um ano na europa podendo ganhar mais dinheiro logo trabalhando como médica?” Eu ouvi isso tudo, meus caros, e ouvi de muita gente. Eu fui deliberadamente desincentivada pela diretora do colegiado de medicina, que gastou 30 minutos do tempo corrido dela para me desestimular e no final eu falei “ok, mas eu preciso que você assine aqui”. E fui. Fui lá fazer o “absurdo” de perder dinheiro em trabalho para “perder” um ano estudando na Europa...
“Você é ousada, né”, “teimosa”, há quem diga também (especialmente homens, rs), “Raísa é problemática”. Por um tempo eu fiquei preocupada com isso! Recebi até diagnóstico mesmo sem pedir para ter um(!). Mas com o tempo eu me dei conta que na verdade, não sou problemática, sou problematizadora. Eu incomodo! Não todo mundo, claro. Mas eu percebi que incomodo um grupo de pessoas em especial: as que estão confortáveis, as que são pessimistas e as que são preguiçosas sem energia. Incomodo porque questiono, porque proponho, porque pergunto, porque cutuco mesmo, porque quero que as coisas melhorem, uai. Hoje eu vejo como é importante a virtude de não se adequar a uma sociedade doente.
Então eu “perdi tempo” fazendo cursinho (e foi um ano de extrema importância para a minha vida), eu “perdi tempo” fazendo intercâmbio (e foi um ano mais importante ainda!) e quando eu me formei eu tive que ouvir: “poxa, porque você não faz logo a tão sonhada residência médica de psiquiatria?”. Porque minha carreia é apenas um pedacinho da minha vida! Eu não tenho pressa de chegar logo, eu quero mesmo é apreciar o caminho!
Me dei conta de que isso tudo eu devo aos apoiadores: famílias, amigos que me entendem e confiam em “minha doidice”. Agradeço por ter estudado em Irecê (cidade do interior da Bahia) numa escola com metodologia alternativa! Pasmem! Na década de noventa, mesmo num lugar de 60 mil habitantes no sertão alguém (meu eterno agradecimento) colocou um método construtivista! Eu treinei a minha criatividade na infância. E vejam.. no boletim tradicional eu era a menina do 7,5, apagadinha, neutra, na média, quem diria... virar médica. Esses números não medem ninguém... Não existe “perder tempo” quando o assunto é crescer... Ao invés de números, quatro pilares: curiosidade, imaginação, coragem e paixão. (Assistam à série de Murilo Gun sobre educação!). Com esses quatro pilares encontraremos nosso ikigai e, consequentemente, mais plenitude, paz, regozijo, felicidades, realização... sei lá que nome você der. Só parem de ficar presos aos comentários de pessoas sem visão. Quem não se arrisca não passa pelo fogo e corre o pior risco de todos(na minha opinião): morrer um milho de pipoca.

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