Mais uma letra e vieste.

Domingo. Tão cedo quão difícil é imaginar estar acordado para ler livro.

Praça clara. O Sol, gentil, me oferece sombra no banco que pensei em me sentar. De minucioso estardalhaço, o vento sem vão pra assoviar, anunciava sua presença ao arrastar folhas de início de outono. Minto: Haviam sim passarinhos, mas esses tímidos eram violinos, e outros passarão, fazendo voltas na praça, um moço e seus passos marcados, ritmavam a percussão.

Assumo minha posição, confortavelmente agradável, por sinal, começo a correr os olhos, e usando mais de meu órgão sem grandes movimentos (só os caóticos, como usar as mãos pra que fios de cabelos não executem sua brincadeira insistente de cócegas). Já o moço, que andava alongando-se por inteiro, começou a correr com olhos fixos no horizonte.

Se na minha frente, os olhos meus deixam de correr e os passos que ouvia caíam em semipausa. Os dois perceberam, ambos exercícios solitários e contraditórios, e começaram a competição. O rítmo apertou-se; menos tempo para completar uma volta, menos tempo para passar uma página, até que o cronômetro apitou e o capítulo se deu por encerrado. Exaustos. Ele suado, admirava-se de seus músculos quentes. Ela sorria, admirava-se de sua conclusão.

Lembrou-se de uma passagem de Saramago em entrevista: "Trata-se, talvez, da consciência muito clara, muito viva, de que no fundo, no fundo, cada um de nós é muito mais feito de papel do que de carne e osso. E digo que somos feito de papel porque somos feitos de leituras que fizemos". Em seguida imaginou uma réplica do moço - talvez com uma voz mais fina que o normal, por conta de anabolizantes, mas a descartou para se desfazer de possível preconceito - que dizia: "então quero ver abrir uma lata de palmito só de convencê-la depois de conversar, fica aí, de papel, cuidado com a chuva" e desastrou a rir sozinha.

Pois sim, de papel, porque não?
Papel de arroz, que desmancha na chuva.
De seda, tal pipa que voa.

Comentários

Postagens mais visitadas