Formigas: dioptria 1,25 para hipermetropismo

Quando acusei desviar a atenção: uma mordida.

A danada encravou na ponta do dedo indicador da mão que segurava o lápis. A tempo de eu olhar o que tinha me mordido, a formiga desceu foi até o início da página sinalizando onde eu tinha parado de ler. Tirou um farelo de borracha que eu tinha esquecido de espanar, depois começou a percorrer as palavras no rítmo da pontuação, como um guia. É certo que demorava pra ir do final de uma linha até o começo da de baixo, mas eu esperava. Cada vírgula uma pausa adequada, em negritos ela passava mais devagar como a graifar, e quando a idéia central se esclarecia ela dava uma volta elíptica e dessa vez, ela me esperava circular.

Terminado o parágrafo, e o professor ainda não tinha voltado à aula, ela subiu em meus dedos e girava no sentido oposto ao meu movimento, como quem diz 'me pegue' e corre em volta de uma árvore mais grossa, se eu tivesse audição minuciosa, aposto que poderia ouví-la rir. Quando eu não consegui mais contorcer meu braço ela foi subindo - tudo bem que se atrapalhou um pouco por conta de minhas pulseiras - e subindo. Desconfiei que fosse aquela musiquinha que segue e pára nas costas do cotovelo a fazer cócegas, mas lá só deu uma voltinha e continuou a subir. "Essa formiga é macho", pensei.

Fui acompanhando. Ela foi até meu ombro, onde meus olhos nao podiam mais alcançar, a não ser que eu tivesse o dobro no meu pescoço. Eu danada pra saber que diacho ela ia fazer ali e Puft! O moço do lado me viu contorcida e aplicou o velho golpe pitelecal - segurar o indicador com o dedão, mirar e aplicar força pra quando o dedo escorregar atingir o alvo com mais velocidade. Se não tivesse nas minhas costas, podia ver se a formiga tinha voado longe ou tinha sido esmagada na minha blusa mesmo.

Muito orgulhoso de ter me 'salvado', ele disse sorrindo:
-Matei.

Não precisei dizer nada, ele percebeu pela minha cara e chegou a ficar preocupado. Ainda sem entender o porquê da minha reação, afinal era só uma formiga, ele tentou:
-Não era pra matar não? Pergunta inútil, ele sabia que não.
-N ã o. Devagar e com todas as letras.
-Poxa, eu não... Como eu ia saber?
-Agora já era, né. Tudo bem. Ele continuou estranhando mas tentou pela segunda vez:
-Depois aparece outra. Pela minha cara ele viu de novo que só tava piorando.

A minha vontade: "Ela era minha amiga, poxa! Trate de porcurar e fazer o enterro, assassino". Mas numa sala de cursinho não cabia esse discurso, mesmo se eu falasse rindo, isso só seria fala para um blog bobinho. Dexei passar e professor já tava alertando retomar o assunto, quando ele tentou pela terceira vez e enfim acertou:
-Dizem que 'formiga faz bem pras vistas', né.
-Você não sabe o quanto.
: )

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