O maior nariz que eu já vi na minha vida.

"Se for, vamos logo. Quero estar em casa uma e meia. Vai passar As Crônicas de Nárnia". Assim que falei sobre o filme, lembrei de uma das maiores - se não for a maior - gafes que eu já cometi: 'Spiderwick? deve ser o marido de Nárnia! haha!'. Tudo bem, eu sei. Bem que podia ser uma mulher que conte histórias, como Sherazade, e não um lugar. Podia.

Chegamos ao supermercado rindo. Eu explicava que não era o short, que nem curto estava, mas sim o período fértil que estava no final. Minha mãe não acreditou muito na teoria do hormônio exalado, mas é verdade. Desconfiei porque a cólica ainda não estava me desnorteando, ou então confiei que ela não o fosse tão cedo. Erro meu.

Uma farmácia e o comprimido no seco. 'Cólica: s.f , dor intensa na cavidade abdominal.' Isso foi escrito por um homem, aposto. Não é simples essa tal intensidade. Uma mão com dedos de navalhas que dão choques te apertando sem intervalos, com a força de um maxilar, dá tontura, as pernas formigam-se e anunciam que não vão te aguentar por muito tempo. "Mãe, eu tenho que sentar, não demore, por favor."

Caixa exclusivo para gestantes, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção. Sentei e me preocupei em não fazer muitas caretas e levantar caso algum velhinho quisesse a cadeira. Algumas pessoas olhavam pra mim como quem procura uma debilidade física. Não ia fingir, tinha boca pra explicar a minha situação de contrações. Doía, doía e eu cá espremendo minha filosofia barata, 'dor é que nem espinha, só sai se você ignorá-la, pense em outra coisa, pense...'. Quando pequena eu vi um filme de guerra, e comédia por sinal, em que um cara amputado, que gritava 'ai minha perna! ai minha perna!', pediu ajuda a outro que passava. Este disse que não o curaria mas podia fazê-lo esquecer a dor, quebrou um dedo do outro que passou a gritar 'ai meu dedo! ai meu dedo!'. Se isso funciona, é com muita boa vontade. (¬¬)

Bom, eu não comecei essa história pra contar esse episódio seguinte, o nariz ainda vai entrar, mas vou contá-lo por ser curto. Um cara, com seus trinta anos, resolveu pegar a fila. Antes fosse um cínico fingindo que 'oh, eu não sabia', mas ele ainda gritou pro amigo 'vem nessa é que mais rápido, seu besta'. No estilo lamentável, só faltou o dente de ouro. A senhora do lado foi informar ao esperto que a fila era especial, ele começou a balançar a cabeça dizendo que não, e eu disse do outro lado: 'É SIM'. Me olhou e fingiu não ter ouvido, então eu percebi que não era debilidade física, e sim mental. Arrependi-me da fala, após perceber que deveria ter ido direto ao caixa: 'quero ver se você vai atender...". Ele ficou na fila e ela o atendeu. E outra, para comprar sminorff e cervejas, inclusive a que estava bebendo.

Foi então que ele surgiu. Minha comoção, que era baseada em raiva, mudou para perplexidade. Por mais que eu tente não vou conseguir reproduzir em adjetivos o tamanho daquele nariz. Era o maior nariz que eu já vi na minha vida! Tudo bem que o Guinness da minha casa é de 1996, mas eu duvido se no atual consta aquele nariz. Eu simplesmente não consegui parar de olhá-lo. Senti vergonha de mim mesma e tentei, eu juro, mesmo porque a mulher dele começou a se irritar, mas era impossível. Havia ser uma doença mirabolante que causasse um inchaço exclusivo no nariz.

Era demais. Eu nada tenho contra narizes grandes, e pra deixar claro vou contar como minha mãe foi me buscar quando eu terminei de fazer a prova de vestibular. Chovia e eu coloquei o casaco pra cobrir a cabeça, o vidro fumê não me ajudou mas minha mãe pediu pra buzinar depois que me viu. Entrei no carro e ela disse: 'o casaco tava fazendo sombra, mas eu pensei: aquele nariz ali é de Rá'. Pela distância entre o carro e onde eu estava, se eu não fosse 'privilegiada', minha mãe não me reconheceria pelo nariz. Bom, se você acha que seu nariz é grande, procure o cara do supermercado que ele te dará um conforto. Eu devia ter uma prova concreta do monumento.

-Posso tirar uma foto do seu nariz? ele me olhou com uma cara estranha de desconforto. Por favor, senão ninguém vai acreditar em mim. Meu celular mal bateria tem, quanto mais câmera. Mas se tivesse, eu ia pensar seriamente em fazer tal pedido. Ia mesmo! Eu já fui atrás de uma mulher no Carnaval pra perguntar o que ela fazia para deixar as batatas tão grandes, quanto mais uma foto, só era dizer que 'é para uma pesquisa'. Talvez o tema fosse o mais complicado. ' Você já teve apelidos na infância, quais?' Quem sabe.

Não sei se as compras que eles passavam era tão grande, mas demorou tempo suficiente pra minha cabeça dar voltas. Imagina aquela criatura gripada. Não, melhor não. Seria ele o criador de Doug Funnie? Só sei que era simpaticíssimo. Eu fiz amizade com ele, pensei em pedir perdão ao dono dele pelo constrangimento, mas como que eu ia falar? "Meu senhor, me perdoe mas seu nariz é um encanto" E se ele me desse uma narigada? (=XXXX)

Chega, chega, chega. Isso não justifica mas perceba que eu manti sigilo sobre a identidade dele. Eu sei que fazer isso é feio, mas, sinceramente, foi muito melhor que atroveran.