Não tinha táxi.

"Gá, o telefone tá chamando até cair". Eita! Santo Expedito, São Jorge, São João. Mas não tinha jeito, não tinha táxi. Sim, tinha hora, mas se o táxi não chegasse, como eu ia embora?

Me dispus a andar. Bem como na semana anterior que antes de quebrar a esquina uma gota me avisou. Única e solitária, não distingui se caíra da árvore ou do céu e continuei a andar. Ela insistiu. Vai chover, de novo, mas não tinha dado na TV. Engrossou relativamente perto de casa, eu nada percebi e ela desistiu. Bem depois de dois terços do caminho eu me dei conta que o havia esquecido em casa. Ixe! São Longuinho, Santa Bárbara, São Pedro, pra que tanto xixi? Não perdi a viagem mas o sentido dela. Na semana anterior a essa, eu me dispus a andar, dessa vez no outro sentido e ao quebrar a esquina para descer a ladeira, de susto deu um vento que as desviou de mim. Não contei mas eram dezenas. Estranho pois, ao desviá-las, pela uniformidade do cair das gotas, as que cairiam longe, ocupariam o lugar das desviadas e molhariam-me bem como. Mas assim não o fez.

Hoje que não posso me dispor a andar, não tem táxi. Como pode? Acode! Desatadora dos Nós, Aparecida, São Benedito. Da minha varanda eu vejo o céu mudar, nuvenzinhas gordas se afastam ou se arrimam em minha direção, mas na rua não. Quando cai, onde cai, como cai. Quem amigo, aviso é. Ondas concêntricas em piscinas, pontos escuros no asfalto, as árvores devotas que evocam-na, rezando com ajuda do vento, cântico que a imita. Chuva orgulhosa, gosta de fazer poças pra refletir o céu quando cessar. O que a chuva quer é trazer ou levar? Se a lembrança está n'alma minha, não o deixaria partir. O vento não leva a areia da várzea, quando a areia bebe da água da chuva. É trazer. Seja lá o que Deus quiser, que o traga - e meu táxi também.

Mas não tinha táxi e mesmo assim eu desci, andei e ela me deu um surra de ponta a ponta da rua. O táxi só passou quando não havia mais interstícios entre um pingo e outro. E se eu não soubesse assobiar? O povo cansa da chuva, roga a ajuda de Deus, que nada pode fazer, se o que ela quer é trazer. Depois que entrei foi que o céu desabou. Eu sabia que minha mãe não acalmar-se-ia, quiçá eram lágrimas dela. Liguei então. Achei o táxi, minha mãe. Confirmei o que suspeitara quando ela disse; Minha filha, eu estava quase chorando, ainda mais quando vi a chuva cair, e eu nada podia fazer, quis parar todas as gotas daqui de cima para não molharem você.

Podia sim. Se no caminho eu visse as gotas paradas no ar, eu saberia que era ela. Com sua fé em oração, indo contra toda missa do sertão, me ensinou a rezar, mãe é mãe, mesmo se ela quisesse trazer. Mas pra quem ela iria rogar? Que dia de santo era hoje? São Sebastião, Santo Antônio, Santa Edwiges? Salve! Santa Chuva.

Comentários

Adoreeeeei!

Ô, gente! Muito criativo e fofinho, mamãe!

Depois vou imprimir tudo e fazer um livro!
Martins disse…
"Chuva orgulhosa, gosta de fazer poças pra refletir o céu quando cessar".

No modo baiano:

Viiiiixe... Fantástico!!!

;]

Postagens mais visitadas