Godofredo.

Hoje de noitinha, estava eu conversando. Férias, dormir mais, colocar despertador cedo, desligá-lo e voltar a dormir. Essa é a oportunidade de vingança para com o barulho insuportável que nos tira de um dos maiores prazeres da vida. É como dizer: 'vá, pode tocar a morrer que eu não vou levantar, seu chato'. O mal é que quando as férias acabam, a gente volta a perceber o quanto o despertador enche o saco e o pior, o quanto dependemos dele.

Eu queria não depender do despertador. Foi pensando nisso que me lembrei de Godofredo.

Godofredo foi um amigo que eu tive quando era mais nova. Ele era incrível, às três e meia em ponto ele chegava, e o detalhe, sem relógios. Eu já tentei pegá-lo chegando fora da hora, mas a margem de erro dele foi de 15:28 às 15:32, nada mais que isso e muito raramente. Sempre no mesmo horário, ele parava no mesmo galho, exatamente no mesmo lugar.

Era engraçado. No jardim não havia muitas flores, e nem outros passarinhos, mas ele sempre ia. Um dia choveu e eu fui até a varanda pra ver se ele ainda estava lá. O galho chegava a balançar e Godofredo não arredou. Chegava não sei de onde e voltava pra não sei qual lugar - e também não fui perguntar, ele me parecia ser daqueles 'discretos e reservados'. Voltava quando o Sol ameaçava tocar no chão, e no dia seguinte, olha Godofredo lá.

Eu gostava dele, havia um certo mistério naquele hábito. Um dia eu fiquei da janela observando-o durante aquele intervalo, pra descobrir o que ele fazia além de ficar parado, sozinho, na mesma posição. Nada. Ele simplesmente só ficava parado, sozinho, na mesma posição. Outra vez fui vê-lo de perto, me aproximava devagar e ele não se incomodava nem se movia. Foi então que tudo aconteceu.

Empolgada, subi e peguei a câmera fotográfica da minha mãe - que não era digital e deveria ter algumas poses - e Click! Tirei uma foto de perto, um pouco tremida e sem flash. Godofredo, pela primeira vez, se manifestou. Largou o galho, que ficou lançando, logo depois da foto. Com suas asas ligeirinhas de beija-flor, parou no ar um pouco acima de mim e partiu. Sumiu. Desapareceu. Retirou-se. Foi e nunca mais voltou. Eu não entendi.

Até hoje eu tenho a foto e a dúvida. Por quanto tempo ele iria nos visitar se eu não tivesse interrompido seu ritual congelando sua imagem? Hoje, talvez, Godofredo já esteja morto (pesquisei: o beija-flor em natureza sobrevive entre 5 e 8 anos, enquanto em cativeiro certas espécies podem viver até 16 anos) ou então encontrou um jardim onde não tiram fotos dele.

Troquei a espotaneidade de visitas diárias pela constante e forçosa presença em um papel, sem me dar conta de que minha janela era a melhor moldura para se ver Godofredo. Não fotografem passarinhos, eles são livres demais pra isso.

Ps: Se eu não não tivesse desconfigurado o reconhecimento do USB eu teria tentado escanear a foto, mas Godofredo era pequeno e verde escuro, se confundia com as folhas.

Comentários

Ô, geeeeeeeeeeente...
Godofredo era lindo... eu gostava dele...

Será que ele não estava de partida e esperava, de algum modo, nos deixar uma lembranaça?
Foi justamente quando você o pintou...

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